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Arte: crise na inspiração

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Texto extraído do livro "A grande feira", do escritor, jornalista, tradutor e editor de livros Lucino Trigo dono da coluna na Folha de São Paulo, Máquina de escrever .http://colunas.g1.com.br/maquinadeescrever/
As ilustrações aqui contidas não fazem parte do livro.

“Cada época cria uma arte que lhe é própria e que nunca renascerá.” Kandinsky


A arte contemporânea é um tema riquíssimo para debates, até porque a reflexão crítica nessa área está aparentemente congelada há algum tempo no Brasil. Os críticos foram confinados à modesta posição de redatores de prefácios para catálogo, quando endossam o que se produz, ou simplesmente foram expulsos pelos mecanismos reguladores do sistema, quando não endossam. A desvalorização do crítico não aconteceu apenas nas artes plásticas (a crítica de cinema na grande imprensa, por exemplo, foi substituída por sinopses minúsculas, acompanhadas de avaliações aleatórias e altamente idiossincráticas na forma de estrelas, «bonequinhos» etc.).
No mundo da arte, esse processo foi tão radical que o artista simplesmente se desacostumou a ser criticado: ele sempre verá uma «má intenção».uma «posição política», ou coisa que o valha em quem ousar questionar sua obra. Esse foi um dos efeitos do chamado «fim da arte»: como cada um faz o que dá na telha e não existem mais critérios de valores (senão os do mercado)qualquer questionamento da obra é recebido como ofensa pessoal.


Christian Boltanski - França

Curiosamente, apesar de ser o terceiro maior mercado de arte do mundo, a França não tem nenhum artista contemporâneo entre os cinquenta mais vendidos atualmente ( o mais bem colocado é Christian Boltanski). As razões que explicam a baixa cotação dos franceses são: fraca visibilidade; obras teóricas demais, difíceis de vender, como as do movimento Support/Surface falta de espírito internacional; falta de fluência dos artistas em inglês; pouco espírito de marcketing; excessiva e desorganizada ajuda do Estado. Ou seja: são razões de mercado, nenhuma de ordem propriamente estética.
Observe especialmente a questão da ajuda estatal: a arte francesa, altamente subvencionada, teria com isso perdido sua ambição.
No Brasil, excluídas exceções que se contam nos dedos, uma grande parcela dos artistas vive precariamente, e outra ainda maior nem consegue chegar à periferia do sistema, expondo em coletivas etc, — e com todos eles me solidarizo. Contudo, para investigação aqui proposta, foi preciso apontar os casos de sucesso representativos do modelo vigente, pois é aí que se manifestam os problemas e contradições mais sérios do sistema da arte.

"Ser bom nos negócios é o mais fascinante tipo de arte. Ganhar dinheiro é arte e trabalhar é arte e um bom negócio é a melhor arte"

Andy Warhol



Como na época das primeiras vanguardas (com a crise da pintura de inspiração mimética) e nas décadas de 1960 e 1970 (com o esgotamento do modernismo), estamos novamente diante da necessidade de uma revisão cultural e de uma análise da produção artística contemporânea que retome seriamente questões cruciais. Qual o estatuto do artista? Qual o papel da arte? É preciso dar respostas novas e claras a essas perguntas, porque estamos vivendo outra crise: crise da mesmice e da esterilidade criativa.

Parece inegável — e é, aliás, internacionalmente reconhecido — que a arte vive, desde o final dos anos 1970, um novo «regime», que se afastou do ambicioso projeto estético modernista e se aproximou da esfera da moda, no sentido de ser dominado por tendências que se renovam a cada estação e de ter uma relação forte com o consumo, o espetáculo e a cultura de massa. Se a arte moderna tinha uma relação de permanente conflito e tensão com o mercado e as instituições, a arte contemporânea deixou de lado a intransigência moderna e capitulou totalmente diante do neoliberalismo globalizado, abrindo mão de qualquer contestação em relação aos valores vigentes.
Se as vanguardas modernas funcionavam como a consciência crítica da sociedade burguesa, nos tempos pós-modernos o sistema da arte se transformou no ponto de encontro das elites da nova sociedade neoliberal, e o mercado de arte, em seu bezerro de ouro. Conformista, a arte não apresenta mais qualquer alternativa aos valores burgueses que prevalecem no dia a dia. Uma poderosa megaestrutura
— da qual o artista depende cada vez mais — administra, com as mais avançadas técnicas de marcketing e relações públicas, produção, a circulação e o consumo das obras. Acreditar que alguma arte verdadeiramente crítica pode ser produzida nesses moldes é, no máximo, ingênuo.
Por exemplo, em março de 2008, mais de cem artistas brasileiros foram a Madri participar da feira comercial ARCO, às custas do Estado, que investiu 2,6 milhões de reais (1 milhão de euros) na participação do país. Não estou dizendo que isso é errado — ainda que o assunto dê margem a um longo debate sobre as relações entre o artista e o Estado —, mas é um fenômeno sugestivo do novo paradigma, no qual, o Artista contemporâneo dá as mãos alegremente ao capital globalizado e ao apoio do governo.
Um momento da performance do artista brasileiro Marco Paulo Rolla na Feira Arco

Performance de Franklin Cassaro"O conjunto remete e trata da minha incomoda sensação ao ver ou ouvir falar de artistas que usam cachorros (vivos, mortos e/ou mortos-vivos) em suas instalações e/ou esculturas. O mais interessante é que não me incomodo com tubarões no formol, porcos em caixas, galinhas com plumas, cavalos pendurados ou qualquer tipo de animal empalhado e preservado. Mas com os cachorros é diferente, não sei explicar o porque, e peço desculpas aos colegas e amigos que já usaram ou usarão cachorros em seus trabalhos, pois sei que não gosto disso com tema para uma obra de arte."

Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que os artistas atacavam frontalmente as instituições e o mercado, colocando em questão suas próprias condições de existência. Nos anos 1970, dois livros fundamentais tocaram nessa questão: o crítico Douglas Crimp reuniu em Sobre as ruínas do museu ensaios reveladores sobre a ideologia oculta das instituições de arte; Brian O'Doherty foi anida mais radical em No interior do cubo branco, analisando criticamente as premissas nem sempre explícitas das galerias. Ou seja, o sentimento de que a arte verdadeira não cabia nos museus e galerias era generalizado.

O artista americano Michael Asher criou, nos anos 1970, obras que revelaram os mecanismos por trás das exposições,como as práticas institucionais moldavam/moldam a forma como entendemos a arte que vemos. Em 1974, Asher (que já esteve na Bienal de São Paulo) ocupou uma galeria privada em Los Angeles e derrubou a parede que separava o espaço da exposição e do escritório onde se fechavam os negócios. Essa era a obra: a eliminação total da parede que separava a experiência estética da atividade comercial de forma que a confrontar o público com o procedimento mercadológico habitualmente camuflado nas exposições. Não havia mais nada para ver, Asher removeu os objetos de arte do local e, transformando a própria galeria em núcleo da exposição, denunciou a natureza crescentemente mercantilista do sistema da arte, no qual fatores econômicos e institucionais já começavam a prevalecer sobre a discussão estética. O mesmo Asher criou obras que apontavam para a transformação do papel do curador, que começava a participar da «autoria» de exposições e mesmo de objetos de arte. Desnecessário dizer, suas obras não podiam ser compradas e vendidas, e delas só restam registros e documentação escassos.
Essa postura crítica vinha de longe: artistas dadaístas e futuristas também acusaram o museu de ser simplesmente um retrato do establishment burguês e conservador, avesso a qualquer projeto emancipador de transformação artística da sociedade. Mas, foi, de fato, nas décadas de 1960 e 1970 que a instituição se tornou alvo de um ataque sistemático: parecia que os museus e galerias estavam nos seus estertores, pois eram vistos como um santuário de objetos mortos, que exigiam uma atitude de adoração passiva do público diante das obras, sem ar para respirar ou espaço para se mover.
Mas veio a virada conservadora dos anos 1980, e esses espaços, que pareciam absoletos, recuperaram seu antigo status junto aos artistas — mesmo aqueles que produziam obras por natureza contrárias àqueles espaços, como como instalações, performances, trabalhos com materiais perecíveis etc.

Ao mesmo tempo, associados ao capital de grandes corporações, os museus se tornaram grandes espaços de entretenimento para as massas, sempre com uma área nobre para as lojas que vendem produtos de grifes.
Antes existiam a arte e seus valores, em torno dos quais se articulavam jogos de mercado, mídia e poder que engendram, fabricam e articulam o jogo da arte. O imperioso é «vender» produtos simbolocamente constituídos a um mercado de elite, e nesse processo se misturam negócios privados e supostos interesses públicos, por meio de políticas culturais baseadas na renúncia fiscal, com suas relações perigosas entre admistradores, curadores, fiscais, tributários, profissionais de museus e públicos.

Não é à toa que, cada vez mais, a competência esperada dos diretores de museus reside na captação de patrocínios e na gestão burocrática, e não no seu conhecimento real do patrimônio artístico.
Quando poderosos grupos financeiros se unem a mega-colecionadores, com o apoio de museus, grandes galerias e o próprio Estado, não entram no jogo para perder: juntos, determinam as cotações dos artistas, os estilos em alta, os movimentos do mercado, independentemente de quaisquer considerações de ordem estética. O mundo empresarial investe em patrocínios e em coleções corporativas que melhoram sua imagem e, no mesmo movimento, conferem legitimidade a uma determinada produção artística em detrimento de outra, fabricando gostos e convicções coletivos em relação a essa produção.

Na arte como espetáculo, é necessária uma renovação veloz do elenco: frequentemente um artista apontado como gênio na primavera já está absoleto no outono. Daí a multiplicação das feiras e bienais, que constituem o chamado mercado primário da Arte — teoricamente o lugar onde os novos talentos teriam a chance de aparecer. Os eleitos passam à esfera dos leilões públicos (o mercado secundário), onde os mais bem-sucedidos se estabelecem e passam a figurar em listas de cotações internacionais. Assim se faz uma carreira de sucesso.

2 comentários:

  1. Olá! Sou Jefhcardoso e sigo o “Quando era pequeno acreditava que podia voar, cresci descobri a música!”, que é do músico poeta Mateus Araujo. Ali encontrei o seu contato no quadro de seguidores e achei que seria uma oportunidade de divulgar o meu http://jefhcardoso.blogspot.com onde publico os meus poemas, crônicas e contos.
    Espero não estar incomodando com este convite de divulgação, se acaso desagradar queira desconsiderar, porém, se acaso interessar faça-me uma visita e terei prazer em retribuir.

    Abraço: Jefhcardoso.

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  2. Olá, Elma, apesar de toda a agressividade do mercado de arte, ele é muito falho, tem uma visão entorpecida, não vê as coisas raciocinando, vive pela emoção, por isso ele é fraco.
    Qual crítico, curador, historiador, dono de galerias, agentes de museus, têm em sua agenda visitas sistemáticas a artistas vendo as pesquisas se desenvolverem, quais desse estão dispostos a dialogar com artistas sobre o momento histórico/cultural que atravessamos.
    É uma visão de feirante, cada um grita para chamar atenção do seu produto, ai está a inversão do papel deles, eles deveriam vender serviço e não os produtos,por isso tratam os artistas com0 produtos sazonais.
    Abs.

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