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Arte contemporânea e o romantismo - Mark Rothko

"Os românticos foram instigados" Mark Rothko, 1947


Os românticos foram instigados a buscar motivos exóticos e a viajar para lugares distantes. Não compreenderam que, embora o transcendental deva envolver o estranho e desconhecido, nem tudo o que é estranho e pouco conhecido é transcendental. A hostilidade da sociedade para com sua atividade é difícil de ser aceita pelo artista. Não obstante, essa hostilidade pode servir como um fermento para a verdadeira liberação. Livre de um falso sentimento de segurança e comunidade, o artista pode abandonar seu talão de cheques bancários, tal como abandonou outras formas de segurança. Tanto o sentimento de comunidade como o de segurança dependem do que é familiar. Livre deles, as experiências transcendentais se tornam possíveis.
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Vejo meus quadros como dramas; as formas nos quadros são os personagens. Estes foram criados a partir da necessidade de um grupo de atores que sejam capazes de movimentar-se dramaticamente, sem embaraço, e de fazer gestos sem timidez. Nem a ação nem os atores podem ser previstos ou descritos antecipadamente. Começam como uma aventura desconhecida num espaço desconhecido. É o momento de conclusão que, num lampejo de conhecimento, se vê que tem a quantidade e a função que se pretendia. As ideias e planos que existiam na mente no início foram simplesmente a porta pela qual deixamos o mundo nos quais correm [Compare-se a declaração de Rothko de que as formas são os atores numa ação que pode ser prevista, com a pintura em ação]. Assim os grandes quadros cubistas transcenderam e refutaram as implicações do programa cubista.
A mais importante ferramenta que um artista cria com a prática constante é a fé na sua capacidade de produzir milagres quando estes se fazem necessários. Os quadros devem ser milagrosos: no instante em que um deles é concluído, a intimidade entre a criação e o criador termina. Ele passa a ser um estranho. O quadro deve ser, para ele, tal como é para qualquer pessoa que o vê mais tarde, uma revelação, uma solução inesperada e sem precedentes de uma necessidade eternamente familiar.

Das formas:
Elas são elementos singulares de uma situação singular.
São organismos com vontade e uma paixão de auto-afirmação.
Movimentam-se com liberdade interna e sem necessidade de violar ou conformar-se àquilo que é provável no mundo conhecido.
Não tem associação direta com nenhuma experiência específica visível, mas nelas reconhecemos o princípio e a paixão dos organismos.
A apresentação desse drama no mundo familiar nunca foi possível, a menos que os atos cotidianos pertencessem a um ritual aceito como relativo a um mundo transcendente.
Até mesmo o artista arcaico, que tinha uma estranha virtuosidade, sentiu necessidade de criar um grupo de deuses e semideuses intermediários, monstruosos, híbridos. A diferença é que como o artista arcaico vivia numa sociedade mais prática do que a nossa, a necessidade de uma experiência transcendente era compreendida e gozava de uma situação oficial. Em consequência, a figura humana e outros elementos do mundo familiar se combinariam com a representação ou participariam como um todo dos excessos que caracterizam essa improvável hierarquia. Para nós, o disfarce tem que ser completo. A identidade familiar das coisas precisa ser pulverizada para destruir as associações finitas com que a nossa  sociedade envolve, cada vez mais, todos os aspectos do nosso ambiente.
Em monstros e deuses, a arte não pode representar o nosso drama: seus momentos mais profundos expressam essa frustração. Quando foram abandonados como superstições insustentáveis, a arte mergulhou na melancolia. Tornou-se sombria e envolveu seus objetos nas insinuações nostálgicas de um mundo semi-iluminado. Para mim, as grandes realizações dos séculos nos quais o artista aceitou o provável e o familiar como seus motivos foram os quadros da figura humana isolada ─ sozinha, num momento de total imobilidade.
Mas  a figura solitária não poderia levantar seus braços e pernas num único gesto que pudesse indicar sua preocupação com a realidade da mortalidade e com um apetite insaciável pela experiência ubíqua em face dessa realidade. Nem poderia a solidão ser superada. Essas figuras só podiam reunir-se em praias, ruas e parques pela coincidência e, com suas companheiras, formar um tableau vivant (pintura viva) da incomunicabilidade humana.
Não acredito que tenha havido jamais essa questão de ser abstrato ou figurativo. O que realmente importa é acabar com esse silêncio e essa solidão, respirar e estender novamente os braços.



2 comentários:

  1. Este será o meu quadro preferido de Mark Rothko e quando estive perante ele, no Centro Pompidou, confesso que fiquei maravilhado.
    Muito boa tarde.

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  2. Gostei bastante do que vi e li:)
    Votos de um bom fim-de-semana!

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" ARTE é o conhecimento usado para realizar determinadas habilidades ou beleza transcendente de um produto de atividade humana".


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