Arte contemporânea - Vanguardóide
Manifestações artísticas
"A morte da arte só existe para o falso artista"
Caveira de cerâmica feita pelo artista suíço Jean Frédéric Schnyder |
Gullar enterra a Arte Contemporânea
"Hoje são baldes de plásticos, amanhã tijolos com garrafas, depois de amanhã cordas ou pedaços de borracha... a obra então, não resulta de elaboração e aprofundamento da experiência, mas de sacação"
O poeta e crítico lança 'Argumentação contra a Morte da Arte', e diz que o 'novo' ficou velho
O poeta Ferreira Gullar decidiu lançar uma bomba arrasa-quarteirão na arte contemporânea. Para ele, a morte da arte é como a morte da morte: não pode ocorrer. Mas que as insanidades que tomaram conta das galerias e bienais se esmeram em dar cabo dela, é fato - um fato que Gullar não aguenta mais. Os artigos que compõem "Argumentação contra a morte da arte" foram escritos com pena da galhofa e à tinta da ira; reunidos, podem enfim reinaugurar a discussão de valores como "inovação" e premissas como a de Duchamp: "A função da arte é chocar".
Não pense que Gullar é uma voz clamando no deserto; o problema é que seus opositores possuem megafones, buzinas e muito mais a lucrar com o que supostamente "analisam". Intelectuais brilhantes com George Steiner (o maior entre os vivos) John Updike, Giulio Carlo Argan e Clement Greenberg estão com Gullar. São poucos, mas poucos e bons - tal qual os ingleses na Batalha de Agiconurt.
Na entrevista abaixo, concedida por telefone de sua casa no Rio (onde preside o IBAC, ex-Funarte), Gullar dá uma pequena amostra do que diz seu livro. Bom lembrar: ele é crítico de arte há mais de 30 anos. Entre outras curiosidades, é um dos fundadores do movimento neoconcreto, que está entre as pedras-de-toque da "antiarte". Portanto, que não se espere de "Argumentação contra a morte da arte" um libelo antimodernista como "Paranóia ou Mistificação" texto de Monteiro Lobato de 1917 que fala pelo homem médio de hoje. Gullar sabe onde pisa. E de lá não saem odores agradáveis.
Folha - O sr. não acha que se o livro tivesse sido escrito uma vez, em vez de ser coletânea de artigos em jornal, o impacto seria maior?
Ferreira Gullar - Talvez. Eu tinha a idéia de publicar um livro sobre esse problema da arte contemporânea, e ainda pretendo fazer isso, quando tiver tempo. Tudo começou quando publiquei uma conferência minha sobre o tema, e depois fui dando continuidade, aquilo foi se desenvolvendo. O trabalho ganhou um todo.
Gullar - O que critico é essa supervalorização da idéia de evolução, que é o princípio da vanguarda. Quer dizer, valores estéticos não contam; só conta a novidade. Acontece que a idéia de vanguarda acabou. Esse princípio da inovação conduziu a um impasse e este aos absurdos que estão aí. Então a arte acabou!? Não há nada de novo para fazer. Claro, falo do novo pelo novo que é uma coisa autofágica. O novo é inerente à grande arte; nenhum poeta digno quer fazer o que já foi feito. Ele tem uma proposta, não quer dizer o que está dito.
Folha - Mas quais seriam esses "valores" estéticos?
Gullar - Permanência. É isso que é arte: a busca de fundar o permanente. Chegou-se, nas últimas décadas, ao cúmulo de criar a "arte do efêmero" do "perecível", o que é uma contradição em termos. O artista busca o permanente para assim motivar a realidade. Vou dar um exemplo. O Ibac está doando obras para o acervo do Museu Nacional de Belas Artes em breve. Outro dia encontramos lá uma coisa, que é um pedaço de ferrolho que era emendado com um pedaço de borracha. Não sei quem é o autor. Que vou fazer? Cadê o pedaço de borracha, como era a emenda? Esses caras negam a permanência da obra de arte, mas eles acreditam na "sublimidade" da arte, em que não acredito absolutamente. É só botar o ferrolho lá, que vem outro cara e escreve uma lauda complicadíssima. Transformamos o mundo de duas maneiras: ou poeticamente ou simbolicamente. Essa gente destrói a linguagem visual, mas consagram a verbal. Que revolução há nisso?
O poeta Ferreira Gullar decidiu lançar uma bomba arrasa-quarteirão na arte contemporânea. Para ele, a morte da arte é como a morte da morte: não pode ocorrer. Mas que as insanidades que tomaram conta das galerias e bienais se esmeram em dar cabo dela, é fato - um fato que Gullar não aguenta mais. Os artigos que compõem "Argumentação contra a morte da arte" foram escritos com pena da galhofa e à tinta da ira; reunidos, podem enfim reinaugurar a discussão de valores como "inovação" e premissas como a de Duchamp: "A função da arte é chocar".
Não pense que Gullar é uma voz clamando no deserto; o problema é que seus opositores possuem megafones, buzinas e muito mais a lucrar com o que supostamente "analisam". Intelectuais brilhantes com George Steiner (o maior entre os vivos) John Updike, Giulio Carlo Argan e Clement Greenberg estão com Gullar. São poucos, mas poucos e bons - tal qual os ingleses na Batalha de Agiconurt.
Na entrevista abaixo, concedida por telefone de sua casa no Rio (onde preside o IBAC, ex-Funarte), Gullar dá uma pequena amostra do que diz seu livro. Bom lembrar: ele é crítico de arte há mais de 30 anos. Entre outras curiosidades, é um dos fundadores do movimento neoconcreto, que está entre as pedras-de-toque da "antiarte". Portanto, que não se espere de "Argumentação contra a morte da arte" um libelo antimodernista como "Paranóia ou Mistificação" texto de Monteiro Lobato de 1917 que fala pelo homem médio de hoje. Gullar sabe onde pisa. E de lá não saem odores agradáveis.
Folha - O sr. não acha que se o livro tivesse sido escrito uma vez, em vez de ser coletânea de artigos em jornal, o impacto seria maior?
Ferreira Gullar - Talvez. Eu tinha a idéia de publicar um livro sobre esse problema da arte contemporânea, e ainda pretendo fazer isso, quando tiver tempo. Tudo começou quando publiquei uma conferência minha sobre o tema, e depois fui dando continuidade, aquilo foi se desenvolvendo. O trabalho ganhou um todo.
Folha - O ponto de partida de sua "Argumentação contra a morte da arte" é a rejeição da idéia de que a arte evolui. Mas não existe de fato um aprimoramento técnico em certas linhagens?
.Folha - Mas quais seriam esses "valores" estéticos?
Gullar - Permanência. É isso que é arte: a busca de fundar o permanente. Chegou-se, nas últimas décadas, ao cúmulo de criar a "arte do efêmero" do "perecível", o que é uma contradição em termos. O artista busca o permanente para assim motivar a realidade. Vou dar um exemplo. O Ibac está doando obras para o acervo do Museu Nacional de Belas Artes em breve. Outro dia encontramos lá uma coisa, que é um pedaço de ferrolho que era emendado com um pedaço de borracha. Não sei quem é o autor. Que vou fazer? Cadê o pedaço de borracha, como era a emenda? Esses caras negam a permanência da obra de arte, mas eles acreditam na "sublimidade" da arte, em que não acredito absolutamente. É só botar o ferrolho lá, que vem outro cara e escreve uma lauda complicadíssima. Transformamos o mundo de duas maneiras: ou poeticamente ou simbolicamente. Essa gente destrói a linguagem visual, mas consagram a verbal. Que revolução há nisso?
Folha - O público não gosta da arte contemporânea. O problema está nele, que não gosta da arte que exige esforço e conhecimento, ou isso é genuíno?
Gullar - Esse público se divide em dois. Existe o cara de cabeça acadêmica, que ainda não entendeu Picasso, e tenta nos imputar seu preconceito. E existe o outro lado: o cara que chegou a Picasso, Matisse, mas não é um estudioso de arte, não é um teórico, e portanto não entende nada.
Folha - Por que o sr. acha que as artes plástica, especificamente, descambara em tanta fajutice?
Gullar - Não sei. É uma boa pergunta, sempre me indago isso. Em todos os outros campos da atividade artística o vanguardóide foi superado. Quando a coisa ameaça a própria natureza da expressão, há a percepção disso. todos reconhecem a arte, o gênio de "Finnegans Wake", de Joyce, mas ninguém vai tomar aquilo como exemplo, como modelo. Por que na pintura não se deu isso? Realmente não sei. Presumo que há um problema institucional. Bienais, centros culturais, os especialista, eles não se lixam para o público. Formam uma gangue, uma seita, que pouco se lixa para a sociedade. E o Estado paga isso; não entendo.
Folha - O que o sr. pensa "dois" gurus: um da geração anterior, Hélio Oiticica, outros desta, Cildo Meireles?
Gullar - Acho que exageram a importância de Hélio Oiticica. Ele foi vítima de um radicalismo; não é por acaso que se entregou às drogas no fim da vida. Lygia Clark foi mais importante, apesar de todo o talento do meu amigo Hélio. Os "Parangolés" só existem como teoria. Eu fui um desses teóricos, até que um dia senti um vazio debaixo dos pés. Cildo Meireles também tem talento. Vi uma instalação dele no começo da carreira que era bem interessante, criava uma atmosfera forte, tinha subjetividade. Mas das últimas coisas não gosto, não. Esse cerebralismo duchampiano teve sentido em determinada época, mas subsiste como arte.
Coletânea vai deixar feridos e chamuscados
Da Redação:
"Argumentação contra a Morte da Arte" não tem o poder de fogo que poderia ter. O motivo mais imediato é porque, como coletânea, não centra forças num esquadrinhamento de toda a teoria que baliza (e satura) as "grotesqueries" contemporâneas. Há buracos argumentativos na coletânea; mas, pelo menos, não serão poucos os feridos e chamuscados. O livro tem munição para uma guerra digna de Tolstoi. Muitos concordarão com Gullar em linhas gerais, mas entre esses não estão os que licenciam a arte contemporânea - que por sua vez os licencia, como a cobra que morde o próprio rabo... e engasga. Em uma coisa Gullar está certíssimo: o estado atual da linguagem visual é uma consagração do sofisma verbal; e, acrescentese, não há nada mais antimodernista que isso. Há algo errado numa arte que é mais e mais uma apoteose do kitsch. O que explica isso é que é difícil de entender. Só se sabe que é fácil, ah como é fácil, fazer uma instalação e, com dois ou três segundos de observação (o olho assimila informações mais rápido do que se pensa), sentar e escrever uma "Britannica" em cima dela - assim como em cima de um toldo de padaria, ou de um buraco de agulha. A diferença é que a instalação está numa galeria ou museu. Mais uma vez, nada mais antimodernista - porque o moderno sempre se voltou contra a sacralização da arte em museus e galerias. É a "síndrome Finnegans Wake". Pode-se ler o livro de Joyce durante anos e anos, e há inclusive toda uma indústria acadêmica a serviço desse leitor. Não era o que Joyce queria: ele queria fazer um livro que fosse como o mundo, com "a assinatura de todas as coisas" que estamos aqui para ler, e de que nunca chegaremos ao conhecimento total, à conclusão definitiva. Mas "Finnegans" pode dar muito prazer aos menos obcecados, porque é da essência da linguagem verbal ser simbólica. A essência da linguagem visual não é a mesma; uma pintura não dispensa conceitos, mas também não sobrevive deles.Fala direto à percepção, que é, biologicamente, uma relação entre a sensibilidade (sistema límbico) e o intelecto (córtex). Não dá para "negar" o sistema límbico; não dá para negar a reação química que uma imagem aciona assim que chega à retina. Disso se conclui, por exemplo, que, como o olho possui estrutura harmônica, não é à toa que temos um "senso" harmônico - um gosto pela harmonia, ora bolas. Sim, entre senso harmônico e senso estético vai um sem-número de variáveis. É justamente isso que tem de ser redescutido, longe das metafísicas. O livro de Gullar peca aí: fala muito em "subjetividade" e "espiritualidade" da arte. E exagera no conservadorismo, como no desprezo a Mondrian; sem o Mondrian de "Boogie-Woogie" não haveria Richard Diebenkorn, por exemplo. Mondrian não trouxa a morte da arte; apontou também para novas revoluções. Muitas delas, alias, ainda restam como potencialidades. A morte da arte só existe para o falso artista. Está na hora de acabar com esse derrotismo.
Daniel Piza Publicado na Folha de S. Paulo em 18/04/93
"Argumentação contra a Morte da Arte" não tem o poder de fogo que poderia ter. O motivo mais imediato é porque, como coletânea, não centra forças num esquadrinhamento de toda a teoria que baliza (e satura) as "grotesqueries" contemporâneas. Há buracos argumentativos na coletânea; mas, pelo menos, não serão poucos os feridos e chamuscados. O livro tem munição para uma guerra digna de Tolstoi. Muitos concordarão com Gullar em linhas gerais, mas entre esses não estão os que licenciam a arte contemporânea - que por sua vez os licencia, como a cobra que morde o próprio rabo... e engasga. Em uma coisa Gullar está certíssimo: o estado atual da linguagem visual é uma consagração do sofisma verbal; e, acrescentese, não há nada mais antimodernista que isso. Há algo errado numa arte que é mais e mais uma apoteose do kitsch. O que explica isso é que é difícil de entender. Só se sabe que é fácil, ah como é fácil, fazer uma instalação e, com dois ou três segundos de observação (o olho assimila informações mais rápido do que se pensa), sentar e escrever uma "Britannica" em cima dela - assim como em cima de um toldo de padaria, ou de um buraco de agulha. A diferença é que a instalação está numa galeria ou museu. Mais uma vez, nada mais antimodernista - porque o moderno sempre se voltou contra a sacralização da arte em museus e galerias. É a "síndrome Finnegans Wake". Pode-se ler o livro de Joyce durante anos e anos, e há inclusive toda uma indústria acadêmica a serviço desse leitor. Não era o que Joyce queria: ele queria fazer um livro que fosse como o mundo, com "a assinatura de todas as coisas" que estamos aqui para ler, e de que nunca chegaremos ao conhecimento total, à conclusão definitiva. Mas "Finnegans" pode dar muito prazer aos menos obcecados, porque é da essência da linguagem verbal ser simbólica. A essência da linguagem visual não é a mesma; uma pintura não dispensa conceitos, mas também não sobrevive deles.Fala direto à percepção, que é, biologicamente, uma relação entre a sensibilidade (sistema límbico) e o intelecto (córtex). Não dá para "negar" o sistema límbico; não dá para negar a reação química que uma imagem aciona assim que chega à retina. Disso se conclui, por exemplo, que, como o olho possui estrutura harmônica, não é à toa que temos um "senso" harmônico - um gosto pela harmonia, ora bolas. Sim, entre senso harmônico e senso estético vai um sem-número de variáveis. É justamente isso que tem de ser redescutido, longe das metafísicas. O livro de Gullar peca aí: fala muito em "subjetividade" e "espiritualidade" da arte. E exagera no conservadorismo, como no desprezo a Mondrian; sem o Mondrian de "Boogie-Woogie" não haveria Richard Diebenkorn, por exemplo. Mondrian não trouxa a morte da arte; apontou também para novas revoluções. Muitas delas, alias, ainda restam como potencialidades. A morte da arte só existe para o falso artista. Está na hora de acabar com esse derrotismo.
Daniel Piza Publicado na Folha de S. Paulo em 18/04/93
Como não sou artista nem conheço o procedimento dos artistas, não ousaria "criticar o crítico" de arte, mas reconheço que ele nos leva a reflexões necessárias. Só diria que a meu ver, a função da arte é provocar emoções, de preferência agradáveis. Concordo que esta obrigação da apresentação de novidades pode conduzir a coisas bem estranhas, acredito que um artista pode se expressar no estilo que desejar.
ResponderExcluirA impressão que tenho é que a arte contemporânea está enveredando por um caminho interessante, misturando vários suportes como a fotografia e a pintura, esta com os efeitos de luz...vamos ver no que vai dar.
Um beijão para você.
Elma minha querida..sempre fico viajando em suas postagens..cheias de detalhes..muito bem feitas..infelizmente não me sinto apto para comentar esta postagem por ser tão leigo no assunto.
ResponderExcluirE por falar em comentar não achei onde comentar no Viart.
beijão